A patranha da refundação ou reforma do <i>Estado social</i>

João Dias Coelho (Membro da Comissão Política do PCP)

Os trabalhadores e o povo continuam a ser o bode expiatório, não de políticas erradas como alguns dizem, mas sim das opções de classe, determinadas pelos interesses dos grupos económicos e financeiros que sucessivos governos defenderam ao longo de anos e anos.

Governo e troika querem um «Estado máximo» ao serviço dos poderosos

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Não são os trabalhadores e o povo que têm vivido acima das suas possibilidades, mas os grupos económicos e financeiros que esbulham o erário público através dos seus governos com a transferência de muitos milhões de euros para a banca, a privatização de empresas estratégicas pertença de todos nós permitindo ao capital nacional e estrangeiro adquiri-las a baixo custo, as Parcerias Público-Privadas, na saúde e nas auto-estradas para onde são transferidos milhões e milhões de euros.

A cruzada desde há muito desenvolvida por todos os governos – quer do PS quer do PSD e CDS –, alimentada e projectada pelos fazedores de opinião ao seu serviço, com base na tese de que há Estado a mais na economia e nos serviços públicos, constitui uma das maiores mentiras do poder dominante com vista a preparar o terreno para a liquidação não do Estado enquanto instrumento da classe dominante para assegurar a omnipotência dos ricos e poderosos, mas sim dos serviços públicos que o Estado está constitucionalmente obrigado a prestar aos trabalhadores e ao povo.

À pala da tese de que há Estado a mais e que os funcionários públicos são uns privilegiados, os sucessivos governos têm atacado despudoradamente os serviços públicos, fechando-os, reduzindo o seu funcionamento, dificultando o acesso a muitos portugueses, aumentando o seu custo, destruindo direitos laborais, reduzindo salários, roubando subsídios de férias e de Natal aos trabalhadores da Administração Pública e aos restantes trabalhadores.

Se há Estado a mais é na intervenção directa deste no processo de acumulação e centralização capitalista, no favorecimento dos ricos e poderosos, no aumento das medidas coercivas e repressivas sobre os trabalhadores e o povo, e não na prestação de serviços públicos, nos direitos sociais e laborais dos trabalhadores conquistados com a Revolução de Abril.

 

Lutar com todas as forças

 

PSD e CDS, e os altifalantes ao seu serviço, determinaram que é preciso cortar mais quatro mil milhões de euros na despesa pública. Utilizando propositadamente expressões como «refundação do Estado», «reforma do Estado social», a coberto do relatório do FMI apresentam um novo conjunto de «inevitabilidades».

De facto não se trata de refundar nem reformar coisa nenhuma. O que eles querem verdadeiramente é ter um Estado mínimo na prestação das funções sociais do Estado consagradas na Constituição e um Estado máximo ao serviço dos ricos e poderosos. Está-se perante um processo que não começou hoje, mas que conhece agora saltos qualitativos que atingem o regime.

É preciso não esquecer que foi o PS, no governo de Sócrates, com o apoio do PSD e do CDS, que redefiniu as funções nucleares do Estado, colocando em letra de forma que ao Estado devem caber as funções de soberania, representação e segurança. Esta foi uma opção de fundo que, violando a Constituição Portuguesa, projectou um processo de reconfiguração do Estado inscrito quer no PRACE, do PS, quer no PREMAC, do PSD/CDS, e abriu as portas ao mais despudorado ataque aos serviços públicos e aos trabalhadores.

Centrar a discussão em torno do que se corta em matéria de direitos sociais e laborais consagrados na Constituição ou de aumento de impostos – com base no argumento de que o Estado não aguenta assegurar a prestação os serviços públicos na dimensão e na qualidade que presta actualmente e que é preciso cortar nas despesas com pessoal e pensões – é virar intencionalmente de pernas para o ar o verdadeiro centro do problema, é manipular a verdade, é construir uma enorme patranha.

Porque não diz o FMI e o Governo que é preciso acabar com o regabofe no sistema financeiro, na transferência de muitos milhões de euros do dinheiro do Estado para a banca, que ao longo de anos e anos acumulou lucros fabulosos? Do que se trata, afinal, é de uma opção de classe, prévia e friamente decidida, que vê nos trabalhadores e no povo o «sangue» que os vampiros querem chupar para poderem continuarem «gordos e anafados».

Do que o País precisa é de aumentar a produção nacional, criar emprego, aumentar os salários, reformas e pensões, respeitar os direitos dos trabalhadores, redinamizar o mercado interno, desenvolver e melhorar os serviços públicos, ter uma Administração Pública verdadeiramente ao serviço do povo e do País. É preciso derrotar o pacto de agressão e a política de direita, correr com este Governo, abrir caminho a uma política patriótica e de esquerda, e para isso só nos resta um caminho: lutar com todas as nossas forças.



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